Menos turistas que locais. Água e gatos estão entre os habitantes de Candal

23-02-2024

CRÓNICA

É uma das aldeias de xisto do país. Uma tarde de bom tempo chama visitantes para os quais os locais olham com naturalidade, nem ligam. Os animais aproximam-se, olham de cima a baixo e seguem caminho. Há uma espécie de eco ouvido por todo o lado. 

GONÇALO COSTA MARTINS | Texto e fotos 23 de fevereiro de 2024, 19H33

O café da aldeia ficou sem eletricidade, mas o apagão nem cinco minutos dura. O receio? "Está sujeito a estragar os eletrodomésticos", diz o homem do café. Descreve que é um gerador grande vermelho que alimenta Candal por estes dias enquanto reparam as linhas elétricas. Certo é que, algo tempo depois, uma carrinha leva esse mesmo gerador. 

São 3 da tarde quando um grupo de quatro mulheres, turistas como eu, pretende almoçar neste café. Encontraram azar porque nesta altura o senhor apenas vende tostas. E assim é. Ficam a almoçar enquanto começo a explorar a aldeia "aninhada na serra" da Lousã, afirma um cartaz junto à estrada principal (a única, na verdade). 

Da porta do café, a água faz-se ouvir. Não é de cerimónias: ela passa por um túnel e cai com estrondo em três cascatas seguidas. À esquerda de quem sai do café, existe um pequeno molho de casas, mas o principal núcleo fica à direita. Subindo essa encosta, a água continua a ser ouvida, mas não é apenas por causa do ribeiro estrondoso. Existem pequenas cascatas nesse núcleo. A água faz eco na aldeia de Candal e não dá tréguas ao silêncio absoluto. 

Afirma o senhor d0 café que há alturas de poucos visitantes e esta é uma delas (mas que ainda assim esta terça-feira não está má). Encontrei sete turistas, comigo incluído. Feitas as contas, são menos que os locais. Não me atrevo a dizer que são todos habitantes, podiam apenas trabalhar ali: avistei pessoas em obras de algumas casas, mais duas crianças e, pelo menos, cinco adultos, entre os presumíveis habitantes e o senhor do café.

Mas tenho de juntar a este número quatro animais - e aí, juntamente com a água, a conta é favorável aos locais. Um cão aproxima-me de mim lentamente. Hesito entre ficar em pânico como fiquei em Semide, com os dois "alarmes" cães que protegiam a casa branca junto ao rio Ceira, ou continuar sentado na mesa de piquenique pousada num largo entre casas. Começo a perceber que posso excluir a primeira opção, já que o cão de pelo preto desfila lentamente até mim. Parece despreocupado, com a língua de fora. Tem todo o tempo do mundo. Fica junto a mim uns segundos, olha-me e desiste, segue caminho. Estou visto. Fui olhado de cima a baixo e não tenho interesse para ele. Sou mais um turista que apenas pousa ali umas horas. 

Vejo também três gatos. E, tal como o cão, um deles decide vir ter comigo. Para e, se calhar, espera que eu faço algo. Apenas tiro uma fotografia. Trocamos olhares durante uns segundos e cada um segue caminhos opostos. Eu volto à estrada principal e o gato regressa ao largo. 

A meio da tarde, subo a encosta oposta ao aglomerado principal de casas. Pelo caminho, fui observando as casas e penso se mora ali gente. Conto, no mínimo, quatro alojamentos locais. De resto, a roupa do estendal não deixa essa pista. No fim, Candal junta-se para uma fotografia de grupo. Fica no coração de quem está disposta a recebê-la. Os correios chegaram tarde à foto. Eles são como a rede móvel aqui: vem às vezes e é só de passagem. Não param aqui muito tempo.

Uma inquietação final: tal como do miradouro ouço a água do centro, será que o centro ouve o meu telemóvel sem auriculares a dar Dua Lipa? 


Candal, Lousã, Coimbra, 20 de fevereiro de 2024



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